A revisão do pensionamento decorrente do acidente de trabalho

É comum na Justiça do Trabalho o acolhimento do pedido de indenização na forma de pensão mensal à vítima, em casos de invalidez total ou permanente ou proporcional pela redução da capacidade laboral por danos decorrentes de acidentes do trabalho ou doença ocupacional. Tal indenização tem fundamento no artigo 950 do Código Civil, que prevê condenação do responsável ao pagamento de pensão mensal correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

A sentença que condena o empregador ao pagamento de pensão mensal vitalícia decorrente de acidente de trabalho tem natureza jurídica de obrigação de prestação continuada. É inerente a tal situação a possibilidade de modificação do estado de fato que ensejou a condenação, uma vez que o trabalhador poderá ter se recuperado da lesão ou ter agravada a sua situação.

A cláusula rebus sic stantibus está presente ou implícita nessa relação jurídica, sendo que ela autoriza que a decisão primitiva seja adaptada por meio de uma nova decisão judicial, a fim de assegurar continuadamente a permanência da justa reparação do dano.

A ação revisional é um instrumento jurídico que tem por função rever ou alterar alguma condenação que já tenha transitado em julgado, em que as prestações sejam periódicas e continuativas e que, em razão da mudança superveniente do quadro fático, o valor da indenização fixado não representa mais a reparação adequada ao dano sofrido, o que torna injusta a prestação mensal para uma das partes.

Nesse sentido, a ação revisional precisa da configuração de uma relação continuativa em relação ao pleito julgado, em que os efeitos da coisa julgada material respectiva não sejam totalmente imutáveis, gerando, assim, uma possibilidade de revisão da sentença.

A imutabilidade da coisa julgada é relativizada nestes casos com base no artigo 505, I, do CPC, que dispõe: “Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo: I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”.

A intenção do legislador não foi a de rescindir a sentença, mas de integrá-la e adequá-la à realidade superveniente em decorrência de modificações no estado de fato ou de direito, lhe conferindo maior garantia jurídica. Essas mudanças são peculiares de relações jurídicas qualificadas como continuativas, cujos elementos ostentam, por natureza, variabilidade no tempo, quantitativa ou qualitativamente.

Nesse caso, a imutabilidade da coisa julgada não atinge a necessidade nem a possibilidade de manutenção do quantum da indenização fixada originalmente e isso não altera o que foi decidido, porque o segundo julgamento em outra ação apenas ajusta a sentença transitada em julgado à nova realidade fática. Dessa forma, garante que o valor da indenização na forma de pensão se mantenha justo, caso seja provada a modificação superveniente no estado de fato.

Instaura-se, em verdade, uma nova lide, que guarda com a primeira apenas a identidade de partes, o que permite afirmar que a ação revisional não afronta a garantia constitucional, sendo uma mera atenuação da coisa julgada, de modo que seu cabimento na hipótese em apreço já está sedimentado na jurisprudência.

A doutrina defende que “a ação de revisão ou de modificação deverá ser manifestada em processo distinto do que foi proferida a sentença revisionada, perante o juiz de primeiro grau que a proferiu, ainda que esta tenha sido objeto de recurso e por este ao final decidida” (Moacyr Amaral Santos, “Comentários ao CPC”) [1].

No que diz respeito à eficácia jurídica da sentença proferida na ação revisional, Sérgio Cavalieri [2] defende que será ex nunc, a partir do seu trânsito em julgado, vigendo até então os efeitos da sentença anterior.

Para Sebastião Geraldo de Oliveira [3], a eficácia jurídica também será ex nunc em razão da sua natureza constitutiva, mas defende que as consequências da sentença devem ser consideradas desde a data do ajuizamento da ação revisional, podendo a parte autora, inclusive, formular pedido de tutela antecipatória. Isso porque a demora da tramitação processual privará o acidentado, por exemplo, de receber uma pensão superior a que vinha recebendo se tiver de aguardar o trânsito em julgado da decisão revisional.

Tal entendimento se coaduna com o teor da Súmula 226 do STF, que dispõe que os alimentos são devidos desde a inicial — e não a partir da data da decisão que os concede. Vale citar também a Súmula 277 do STJ, que prevê que, julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação.

Em relação à prescrição, não se cogita a sua aplicação ao pedido formulado na ação revisional, em razão da eficácia ex nunc da decisão proferida, a partir do ajuizamento. A ação revisional poderá ser intentada em qualquer época durante o pensionamento, se houver modificação relevante e mensurável do estado de fato e de direito, que foi observado no primeiro julgamento. Assim, a contagem do prazo prescricional terá início a partir da alteração inequívoca do estado de fato da vítima.

Na visão de Sebastião Geraldo de Oliveira [4], se fosse atribuído efeito ex nunc da ação revisional a partir da ciência inequívoca da alteração do estado de fato da vítima e não da data do ajuizamento da ação, seria possível aplicar a prescrição parcial de dois ou cinco anos, utilizando por analogia o que prevê a Súmula 327 do TST [5] e a Súmula 85 do STJ [6].

Acerca da competência para o julgamento da ação revisional de indenizações por acidente do trabalho a Justiça do Trabalho é competente para rever a pensão deferida na sentença transitada em julgado, ainda que esse deferimento tenha sido formulado perante a Justiça comum, dada a edição da Emenda Constitucional 45/2004.

O ajuizamento da ação revisional pressupõe o trânsito em julgado da sentença, já que não pode ser revisada decisão que pode ser reformada através de recurso por instância superior. Nesse caso, havendo alteração do estado de fato antes do trânsito em julgado, a parte interessada invocará o artigo 493 do CPC [7], que, segundo entendimento firmado pelo STF, ao menos em casos excepcionais, não é aplicado na instância extraordinária.

A necessidade de pronunciamento da parte contrária à alegação de fato superveniente encontra amparo no artigo 10 do CPC, que estabelece que o juiz não pode decidir, em qualquer grau de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar. Com isso, será evitada a prolação de decisão surpresa e assegurados o contraditório e a ampla defesa, em observância ao que preveem o parágrafo único do artigo 493 do CPC [8] e a Súmula 394 do TST [9].

É importante destacar que a ação revisional não pode ser ajuizada para se discutir a modificação das condições econômicas das partes — e, sim, a alteração da condenação, que envolveu o estado de fato da relação jurídica anteriormente decidida.

Diferentemente do que ocorre quando a sentença determina o pagamento de pensão mensal, o deferimento do pensionamento em parcela única não pode sofrer alteração através da ação revisional propriamente dita. Isso porque a indenização de uma só vez não estabeleceu uma relação jurídica de natureza continuativa e, na hipótese de recuperação parcial ou total da capacidade laborativa pelo acidentado, o empregador não poderá postular a devolução parcial da pensão paga de uma só vez, que pôs termo ao processo nos limites do dano alegado.

Em contrapartida, havendo o agravamento comprovado da incapacidade para o labor da vítima, Sebastião Geraldo Oliveira [10] leciona que o acidentado pode ajuizar outra ação requerendo indenização, mas somente como dano adicional, se existente ainda o nexo causal com o acidente do trabalho anteriormente sofrido e presentes os demais pressupostos da responsabilidade civil.

Essa hipótese, segundo o citado doutrinador, seria a propositura de uma nova ação com pedido e causa de pedir distintas, fora dos limites objetivos da coisa julgada anterior, pois não haverá a revisão dos efeitos futuros ou pretéritos da sentença anterior, mas, sim, a obtenção da reparação cabível para um dano superveniente, em outra ação, com novo pedido e nova causa de pedir. Assim, mostra-se inviolável a coisa julgada anterior nos limites da questão principal expressamente decidida, nos termos do artigo 503 do CPC [11], sendo que os motivos e os fatos discutidos e adotados como fundamento para o julgamento anterior, segundo o artigo 504 do CPC [12], não fazem coisa julgada e nem vinculam o julgador dessa segunda causa.

A prescrição, nesse caso, só ocorre quando efetivamente for constatado o nascimento da pretensão, que é o dano adicional ou o agravamento do dano, sendo irrelevante a data da extinção do contrato de trabalho.

Para finalizar, é importante mencionar que a morte do acidentado não permite o ajuizamento de ação revisional, pois a pensão deferida a ele não se transmite com a herança. Ela se encerrou com a sua morte, de acordo com os limites fixados na sentença transitada em julgado. Exceto os proventos futuros deferidos à vítima a título de pensão ou lucros cessantes, os herdeiros, com amparo no artigo 943 do Código Civil [13], podem exigir apenas reparação de danos e de bens que já integravam o patrimônio da vítima.

Como a indenização reconhecida em sentença e representada por pensão mensal vitalícia, devida a quem teve reduzida ou suprimida a capacidade laborativa, tem caráter personalíssimo, ela perdura enquanto vivo o seu titular apenas. Ou seja, se a morte encerrou a relação jurídica de natureza continuativa entre o empregador e a vítima, é incabível o ajuizamento de ação revisional.

Sendo a morte do acidentado um fato superveniente, é possível o ajuizamento de uma ação de indenização por aqueles que sofreram prejuízo advindo desse evento, a exemplo das pessoas a quem o acidentado devia alimentos, que, em nome próprio, podem requerer indenização pelos danos sofridos em razão desse fato novo, com base no artigo 948, II, do Código Civil [14].

Todavia, esse direito surge apenas se estiverem presentes os pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, que a morte tenha relação de causalidade com o acidente anterior e que tenha havido culpa do empregador ou que a atividade que desempenhava era de risco. Se, por outro lado, não há nexo de causalidade entre a morte da vítima e o acidente ou doença sem origem ocupacional, é descabido pedido de indenização pelos dependentes do acidentado.

Conforme disposto no artigo 504 do CPC, a razão de os fatos e motivos alegados como fundamento para o julgamento da ação anterior, que deferiu a pensão ao acidentado, não fazerem coisa julgada e nem vincularem o julgador da segunda causa demonstra que os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada anterior são diversos. Trata-se de outra parte, no caso os dependentes, o pedido, que passa a ser de fracionamento da pensão entre os autores e a causa de pedir, que é a morte. Com isso, a sentença anterior apenas pode influenciar o julgador, mas não vincular ao novo julgamento.

Se o acidente anterior sofrido atual como concausa para a morte do acidentado, esse nexo de concausalidade não afasta o direito ao pedido de reparação, apenas reduz o seu valor, de modo que o valor deverá ser apurado na proporção e intensidade em que o acidente contribuiu para o óbito prematuro da vítima.

Por Marcela do Carmo Vilas Boas

 

[1] SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, v. IV, p. 454.

[2] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 174

[3] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional — De acordo com a Reforma Trabalhista Lei n. 13.467/2017. 10. ed. São Paulo: LTr, 2018, p. 479

[4] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional — De acordo com a Reforma Trabalhista Lei n. 13.467/2017. 10. ed. São Paulo: LTr, 2018, páginas 481/482

[5] “Súmula 327, TST: A pretensão a diferenças de complementação de aposentadoria sujeita-se à prescrição parcial e quinquenal, salvo se o pretenso direito decorrer de verbas não recebidas no curso da relação de emprego e já alcançadas pela prescrição, à época da propositura da ação”.

[6] “Súmula 85, STJ: Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação”.

[7] “Artigo 493 -Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão”.

[8] “Parágrafo único: Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir”.

[9] O art. 493 do CPC de 2015 (art. 462 do CPC de 1973), que admite a invocação de fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito, superveniente à propositura da ação, é aplicável de ofício aos processos em curso em qualquer instância trabalhista. Cumpre ao juiz ou tribunal ouvir as partes sobre o fato novo antes de decidir.

[10] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional — De acordo com a Reforma Trabalhista Lei n. 13.467/2017. 10. ed. São Paulo: LTr, 2018, pg. 484

[11] “Artigo 503 – A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida”.

[12] “Artigo 504 – Não fazem coisa julgada:
I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;
II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença”.

[13] “Artigo 943 – O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança”.

[14] “Artigo 948, II – No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:
(…)
II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”.

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